Inflação, juros e a nova regra do jogo na alocação de capital
- Ismael Santos
- 20 de abr.
- 3 min de leitura
O ambiente macroeconômico brasileiro impõe um desafio silencioso para as empresas, porém decisivo: como alocar capital com disciplina e inteligência em um cenário de juros estruturalmente elevados e inflação persistente?
O que antes era uma simples conta de retorno sobre investimento agora exige análises mais robustas, testes de estresse e uma governança mais disciplinada — uma agenda estratégica que impacta diretamente o crescimento, a inovação e a geração de valor sustentável ao longo do tempo.
Com a taxa de juros em patamares historicamente elevados e a inflação acima da meta, o custo de capital aumentou substancialmente no Brasil. O que antes era aceitável com um retorno de 12% ao ano hoje exige algo próximo de 15% a 17%, dependendo do setor e da estrutura de capital.
A margem para erros diminuiu, e muitos projetos antes atrativos simplesmente deixaram de superar o custo do capital investido.
Esse novo patamar de exigência pode não ser sentido de imediato, mas seus efeitos se acumulam ao longo do tempo: menor investimento, perda de produtividade, atraso na modernização das operações e queda gradual de competitividade frente a concorrentes mais capitalizados.
O cenário é particularmente desafiador porque o custo de capital não apenas subiu — ele passou a excluir uma série de iniciativas que, em ambientes de juros mais baixos, seriam consideradas economicamente viáveis.
Diante da incerteza, algumas empresas optam por reter liquidez, esperando uma janela mais favorável. No entanto, com a inflação nos níveis atuais, o valor do caixa se deteriora rapidamente. Com isso, cresce a tentação de devolver recursos aos acionistas por meio de dividendos ou recompras de ações — decisões que, muitas vezes, não estão conectadas à estratégia de longo prazo da empresa.
Grande parte das organizações ainda restringe o debate sobre alocação de capital. Não avaliam o CAPEX com critério e tomam decisões sobre dividendos, recompras, aquisições ou endividamento de forma reativa — sem medir o impacto sobre o valor econômico adicionado. Soma-se a isso o fato de que executivos raramente são cobrados — ou remunerados — pelos resultados dessas escolhas.
A alocação eficiente de capital começa com uma gestão de risco que reconhece a própria limitação diante do futuro. Empresas que desenvolvem processos robustos, que testam cenários e que conectam decisões financeiras à sua estratégia e à geração de valor para os acionistas saem na frente.
Algumas perguntas-chave precisam estar no centro do processo decisório:
Estamos testando nossos projetos com diferentes premissas econômicas e taxas de desconto?
Nossos investimentos priorizam retorno sobre o capital ou apenas crescimento de receita?
Temos flexibilidade suficiente na estrutura de capital para resistir a cenários adversos?
Os gestores são remunerados com base na criação de valor real ou apenas em metas operacionais de curto prazo?
No fim do dia, tudo se resume a uma questão essencial: os investimentos da empresa estão gerando retornos acima do seu custo de capital?
Se sim, há criação de valor. Se não, há destruição — silenciosa, mas implacável — mesmo que a operação continue apresentando lucro contábil.
Essa é a forma mais perigosa de destruição de valor: aquela que não aparece no DRE, mas que cobra um preço alto anos depois — quando os concorrentes cresceram mais, tornaram-se mais eficientes e mais valorizados pelo mercado.
O ambiente atual exige mais do que boas intenções. Exige decisões fundamentadas, modelos de alocação sofisticados e governança que conecte estratégia, risco e retorno. Ignorar essa equação é abrir mão do crescimento sustentável.
O custo de capital não é apenas um número técnico — é a linha que separa empresas resilientes daquelas que caminham, lentamente, para o declínio.
E, neste cenário, quem ainda ignora essa régua não está apenas atrasado. Está jogando contra o próprio futuro.
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