O capital próprio perdoa
- Ismael Santos
- 2 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
A regra básica de finanças corporativas é que a prudência ao se fazer um investimento não deve depender de os recursos virem de dentro (capital acionário) ou de fora da organização (dívida). Entretanto, é um fato que a inclinação para investir está muito mais relacionada à disponibilidade de caixa do que à atratividade dos investimentos.
A economia fiscal proporcionada pela dívida é um dos benefícios amplamente conhecidos para a maximização do retorno acionário. O endividamento economiza impostos, sendo uma forma mais barata de financiamento do que o capital acionário, pois as despesas com juros são fiscalmente dedutíveis, enquanto os dividendos não são. Isso é exemplificado no demonstrativo ao final do texto.
Embora economizar impostos seja importante, tornando o endividamento mais atrativo do que o capital acionário, existem outras razões pelas quais o uso agressivo de dívida é benéfico e pode ser um catalisador para que as empresas maximizem sua criação de valor. São elas:
Disciplina Financeira: O endividamento saneia o risco de reinvestimento improdutivo de fluxo de caixa excedente. Ao tomar dinheiro emprestado, a necessidade de pagar a dívida afasta a administração da tentação de investir o excedente de caixa em projetos com retornos inadequados ou abaixo do custo de capital, ou ainda em aquisições sobrevalorizadas. Isso sujeita os planos de investimento da administração à disciplina necessária para serem aprovados.
Compulsão por Melhor Desempenho: A alavancagem reforça os incentivos para o sucesso, além de penalizar o fracasso, fazendo com que os administradores andem no fio da navalha em vez de descansar confortavelmente na almofada do capital próprio. Também aumenta o incentivo para que os acionistas monitorem mais de perto seus investimentos e para que a administração, caso receba participação acionária ou equivalente, tenha desempenho excepcionalmente bom. Coloque uma carga de dívidas no balanço e a visão dos cegos é recuperada.
Adequação e Foco: O endividamento força a venda de ativos ou negócios não relacionados ao core business da empresa ou de desempenho insuficiente, focando a administração nas atividades essenciais, onde o valor pode ser maximizado. Esse princípio simples da adequação pode ser um dos mais difíceis de adoção prática, pois significa que até mesmo empresas saudáveis, de atividade essencial, promissoras e lucrativas poderão ser candidatas à venda, se valerem mais para terceiros.
Efeito Psicológico: O capital próprio embala o sono dos administradores, perdoando seus pecados mais prontamente do que um padre à cabeceira do leito de morte. Perdoar e esquecer é o lema do capital próprio. A dívida, por outro lado, cria obrigação e vigilância.
Reconheço que o jogo do endividamento/capital acionário é para atuantes sofisticados. Embora a missão de todo administrador deva ser criar valor para os acionistas, muitos têm enorme dificuldade em compreender como isso é feito. Em vez de se preocuparem com a gestão de balanços ou lucros trimestrais, deveriam focar no que realmente importa: as fontes e os usos do caixa, que são o que cria valor a longo prazo.
As reestruturações financeiras com o uso da dívida modificam a maneira como as empresas são administradas, fortalecendo os incentivos para o sucesso e aumentando as penalidades pelo fracasso. Elas mitigam o risco de reinvestimento improdutivo de fluxo de caixa excedente, melhoram a adequação e o foco da empresa, renovam o senso de urgência, priorizam o fluxo de caixa sobre os lucros, eliminam subsídios cruzados desnecessários e, por último, mas não menos importante, proporcionam economia de impostos.
O resultado é uma empresa com mais valor.
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